O tempo, a igreja, as cavalgadas e a história II

13 de jul. de 2022

 O tempo, a igreja, as cavalgadas e a história II

“Quando a aurora, incumbida por Cronos, abre com seus róseos dedos as portas do céu ao sol, Febo Apolo rasga a abóboda celeste em majestosa carruagem dourada puxada pelos cavalos Piro, Éous, Éton, Flégon, fazendo a terra florescer com seu brilho, fonte da vida e da regeneração.”

(Cícero Correia Lima)

 

Ao adentrar a necrópole da minha Iguatu, para honrar um compromisso com meus mortos, neste dia de finados, dirigi-me, não como de costume ao túmulo de minha família, fui antes ao jazigo de um amigo velho de guerra, que nos deixou a pouco, do alto dos seus 95 anos, Paulo Davi, ao aproximar-me, fiquei um tanto sonolento, cambaleante, levantei a vista, ele estava em pé, forte, sadio, sem vestígio da velhice, robusto, seguro, sorrindo afirmou:

- Vamos passear um pouco pelo nosso Iguatu.

Segui-o, um tanto flutuante, como num sonho. Repentinamente, passaram por nós três homens a cavalo.

Perguntei-o:

- Quem são?

- Eu, Belquior e teu pai, que vim buscar para ler para o Cel. Pedroca, o Belquior nos acompanhou na viagem de volta,  montado no seu cavalo predileto, Lenço Branco. Mas não é para isto que estou aqui, vamos em frente.

Continuamos a caminhada na direção da matriz de Senhora Santana, ali na altura dos Correios vi um casebre com um casal na porta, às margens de uma lagoa, perguntei:

- Quem são, Paulo?

- Estamos na lagoa do Zé Pereira ali é ele e sua mulher Francelina.

Continuamos a caminhada contornando a lagoa, estávamos agora na altura da praça Gonçalves de Carvalho.

- Paulo, e aquela outra lagoa?

- É a lagoa da preta Maria Miringó, construiu aí a sua tapera e tem seu comércio de bolo e café, mas vamos seguir em frente.

Dom Edson de Castro Homem, bispo emérito de Iguatu

Agora estamos na Floriano Peixoto, antiga rua do fogo. A rua está muito suja, com lixo por todos os lados, às margens da lagoa do Deoclécio, hoje Lagoa da Telha, um jovem muito bem vestido lidera um amontoado de cavaleiros, pergunto:

- O que é aquele movimento, Paulo?

- São corridas de cavalo, aquele jovem é José Ferreira Pinto de Mendonça, e é quem mais aprecia estas corridas no prado. Mas vamos à igreja.

Chegando ao quadro da matriz, pois não havia praça, uma grande multidão, eufórica, aplaudia uma dupla de vaqueiros que acabava de derrubar um boi que corria em doida disparada em direção a matriz.

- Não vai me perguntar o que é isso, Neto?

- Não, eu estou vendo, é uma vaquejada.

- E o campeão delas é Odilon Mendonça, correndo nos seus cavalos Toalha, Passarinho, Roberto e Soberano.

Seguimos para a casa do Cel. Belizário Cícero Alexandrino, ele estava montado a cavalo, liderando mais de uma centena de cavaleiros.

- E agora Paulo, que movimentação é esta?

- Estamos em Março de 1909, e o Cel. Belizário está saindo para recepcionar o engenheiro Zózimo Barroso do Amaral, engenheiro chefe de construção da ferrovia, que chegará no Iguatu em Novembro de 1910.


Padre João Batista, administrador diocesano

 - Vamos até o rio para você observar mais.

Quando nos aproximamos, logo vimos um majestoso espetáculo, eram 200 cavaleiros que estavam recepcionando o bispo do Crato, Dom Joaquim José Vieira, que chegava a frente de uma comitiva de mais de 30 padres, vinham de São Mateus, hoje Jucás, para reinauguração da catedral de Senhora Santana, que ganhara sinos, estes plangiam, apoiados pelo maestro Abelardo de Medeiros com sua banda musical trazendo grande onda de contentamento, esperança e fé aos Iguatuenses.

Num momento, uma nuvem de poeira toldou o céu do Jaguaribe. Perguntei um pouco assustado e curioso:

- E aquela sombra escura que se levanta do rio em direção ao céu?

- São os famosos bois dos Inhamuns, aí vem uma boiada de aproximadamente quinhentas cabeças, pertencem ao visconde do Icó, seguem dois destinos, alguns serão levados à feira de gado em Goiana, Pernambuco, outros seguirão para Aracati, onde terão suas carnes salgadas e transformadas em charque. Chama-se major Fco. Fernandes, legalista que defendeu a regência, quando o Cel. Pinto Madeira, se levantou na cidade de Jardim, numa tentativa de restituir a coroa a Dom Pedro I, armando aproximadamente 3.000 homens, que na ausência de armas de fogo, foram-lhes entregues cacetes, antes benzidos pelo Padre Antônio Manuel que ficou conhecido pela alcunha de Padre Benze Cacete.

Padre Wallace

Caminhamos ainda mais um pouco dentro do rio, quando nos deparamos com um riacho de sangue que corria no seu leito, um pouco mais a frente, centenas de índios mortos explicavam o porquê daquela água escarlate.

Paulo se antecipa e antes que eu pergunte, responde:

- Isto é o resultado de uma guerra fratricida, guerra entre irmãos, Cariris e Jucás contra Icós e Quixelôs, levados pelo engendramento das mentiras e intrigas firmadas por Montes e Feitosas na maior guerra de famílias que o sertão Cearense já conheceu.

Presidente da Câmara de Vereadores, Eliane Braz

Sentamos à sombra de uma frondosa oiticica. Ele sorrindo, me afirmou:

- Pronto, agora te provei que ainda estou vivo, ainda tenho serventia, vai e conta estas verdades ao mundo.

- Mas Paulim, minhas forças são poucas, a tarefa apesar de ser majestosa é árdua e muitas vezes solitária.

- Você não está só, eu sou um exemplo disto, esta é uma imposição do céu, para todos, enquanto seres humanos, você já visitou toda a ribeira, já divulgou em toda a mídia eletrônica, radiofônica, escrita, falada. Já jogou as sementes, o resto é lá com a santidade de Deus. Tem que continuar acreditando!

- Obrigado meu querido, meu velho, meu amigo.

- Tu lembra daquela história que te contei, quando voltava da fazenda Baixa Verde mais Belquior e ele depois de tomar uma aguardente Mata Fresca, jogou o punhal num gafanhoto grande que estava no tronco de uma aroeira, tirando o gosto com uma parte do inseto e deixando a outra parte lá?

- Sim, me lembro

- E o que foi que eu fiz?

- Bebeu sua cachaça e comeu a outra banda.

- E o que foi que eu lhe disse?   

- Ele andava com homem era pra fazer o que ele estava fazendo, não para lhe dar conselho.

- Você, ou seus esforços já transformaram o Projeto Abaeté em lei, tu já visitou e convidou além de toda a ribeira, todas as autoridades deste Iguatu, e eles estão aí é para fazerem o que você está fazendo, não para lhe aplaudir.

Edmilson de Suassurana, Dr. Tácido e Vicente Reinaldo.

Quando acordei estava realmente nas margens do nosso rio. Entusiasmado, eufórico, salutar. Pronto para a V Cavalgada Cívica Ecológica, no Domingo 07 de Novembro. Vamos pro rio!!!

Tenho dito.

Cícero Correia Lima




 

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