"Não há mérito nenhum em se esbofetear um cadáver"
" Há um velho conto popular, da região dos Urais, o qual refere que, em uma aldeia daquelas montanhas geladas, vivia, outrora, um velho pope, que levava ele próprio aos ombros a enterrar todos os pobres que não tinham na terra nem parentes, nem amigos. Certa vez porém, uma peste invadiu a aldeia, dezenas de pessoas tombavam diariamente mortas, e uma das primeiras a cair sem vida foi o pope, ficando a população ao desamparo, ao fim de poucos dias os cadáveres jaziam nas ruas por falta de quem lhes abrisse uma cova. E foi quando numa noite, se viu sair do cemitério um vulto, que silencioso e leve ia recolher os corpos, levando-os à sepultura, era a sombra do pope morto, que vinha enterrar seus mortos."
Foi este conto, bonito e triste que me veio à memória, quando vi o meu Iguatu festivo, com centenas de motos cortando as suas ruas e avenidas, desde a manhã, com as buzinas ligadas e o pipocar de mil metralhas à tarde, como se nossa terra estivesse sendo invadida por mil cangaceiros. Não sabiam eles que naquele instante uma família levava a enterrar a sua matriarca, e com ela, pedaços de corações, onde estava agora o respeito à dor do seu semelhante? Haveriam todos enlouquecido? Bom de veras tivesse a minha prima um peito de aço, assim talvez, tivesse suportado mais tempo a ausência do seu filho Adalberto, baleado por algum cangaceiro de tocaia por trás de uma moita braba nas terras de Mombaça. Mas o coração de mãe não suportou tanta dor, e o espírito se libertando da carne foi ao encontro do seu primogênito. Sua ousadia consistiu em cair no dia do retorno do rei, tivesse ela adiado para outra data o desenlace fatal. Foi mesmo muita ousadia, talvez daí tenha decorrido o portar-se da Câmara municipal, na pessoa do seu presidente, o vereador Aderilo Alcântara, que mesmo depois de ser avisado do falecimento da ex-vereadora Edite Barreto, segundo o Sr. Irandi Uchôa, ainda pela madrugada, pois ele próprio ligara para o vereador Ronald Bezerra e este se encarregara de avisar o presidente Aderilo, para que providenciasse a disposição da Câmara para um possível velório e uma sessão solene em homenagem àquela representante do povo agora falecida, Não foi no entanto isso que presenciei ao subir a escada que leva ao plenário daquela casa, vinha juntamente com o primo Chico Barreto, carregando o fétero um a cada extremidade do caixão dado ao pouco espaço ali existente. Percebi ainda na escada algo de anormal, no auditório reservado ao povo todas as cadeiras tinham sido retiradas, depois de mais um pequeno esforço colocamos o caixão com a ex-vereadora bem próximo à mesa da presidência. Vinha cansado, as cadeiras reservadas aos vereadores estavam lá, convidativas, uma delas havia pertencido ao meu pai, mas o povo da minha terra não havia ainda me dado esta honra. Preferi então ir à sala de imprensa, onde o Sr. Djaci Araújo encontrava-se, pedi-lhe permissão para sentar, outros foram chegando, a saber. o vereador Ronald Bezerra, Juciêr do Caixão, vereador Dr. Ricarte Rolim. Comentário do Sr. Djacir Araújo:
- Aí ao redor do caixão, de ex-vereadores dá uma câmara.
Começou então a nominar pessoas que prestavam a sua última homenagem à falecida.
- Josa Viana, Eridan Diniz, Zequinha Barreto, Zé Bezerra, Didiê Cavalcante, entre outros.
Perguntei ao Ronald por que não se começava a sessão solene, e obtive como resposta:
- Estamos esperando o Aderilo, ele já ligou, vem vindo aí.
De fato, minutos depois chegava a pessoa do presidente daquela casa, que cumprimentou a quem quis cumprimentar, se omitindo daí em diante de qualquer atitude para a abertura da sessão solene, onde feita a abertura com a palavra do senhor presidente, seria o microfone cedido a qualquer pessoa do povo que quisesse ali, prestar a sua homenagem àquela mulher, àquela mãe de família, àquela senhora que por décadas após a morte do vereador Luiz Barreto, tomou à frente a direção daquele clã, diminuindo o sofrimento em nossa terra, quando aqui ainda nem especialistas tínhamos no ramo da odontologia, era ela, que de alicate na mão socorria quem lhe procurasse com "dor de dente", quem nunca ouviu falar no Iguatu do beco dos Barreto? Para bom entendedor, meia palavra basta, o plenário vazio de cadeiras (tinham sido retiradas para a missa do rei), o silêncio do presidente, fez com que o povo que já esperava a um bom pedaço de hora, tomasse ele próprio a decisão de sair com o caixão dali. Vi então, que aquela casa já não era mais a augusta casa do povo, que a subserviência dos seus pares, havia transformado aquela casa em:
CASA DE HUMILHAÇÃO.
Tenho dito
Cícero Correia Lima
1-Peito de aço: Cangaceiro
2-Bom de veras: Cangaceiro
3-Moita-braba: Cangaceiro
4-Pope: Sacerdote
5-Rei: José Ilo Dantas
6-Peito de aço: Dinheiro
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