Espíritos do rio

5 de abr. de 2022

 

Legítimo de Braga

Ig Catu

Museu vivo, nos trilhos da cultura

Secretaria de educação, cultura e ensino superior

2022

 

Espíritos do rio

“A pálida morte pisa com o mesmo pé o casebre dos pobres e a torre do rei”

 

 

Ontem quando os primeiros raios do sol refletiam sobre as sujas águas do nosso rio, eu e o Tiago Publicidade, estávamos buscando, nas margens do Jaguaribe, um local apropriado para homenagearmos a terra da água boa, durante a semana do munícipio, a intenção era gravarmos um vídeo  contando um pouco da história do Iguatu mostrando a triste, vergonhosa, perigosa e criminosa realidade do velho rio da onça. Quando descemos a barranca do Jaguaribe, por detrás da escola N.S.P.S, no bairro Prado, visualizamos uma fogueira que teimava em permanecer acesa, aquecendo alguns homens que acreditei serem  pescadores que ali haviam pernoitado ou amantes do carbono embriagados pelo álcool e outros entorpecentes, levantaram-se a um só tempo e nos encararam de catadura feroz, estavam seminus, alguns mal cobertos por pele de jaguar (onça), outros por penas de arara, carcará, garça. Recuamos um passo diante daquele cenário, estávamos à frente de bronzeados chefes da raça autóctone, talvez Tupi ou Tapuia, Num momento, nos vimos cercados por estes, um deles apontando para mim, que estava vestido à caráter com meu chapéu de revoltoso, bolsa de couro, inquiriu-me:

- Inhamuns (Diabo velho), cacique Cariri (traiçoeiro), pergunta a ti Tapijara (Homem de couro), que maldade infernal é esta que trazem no peito, que não satisfeitos em cativarem meus irmãos, ao ponto de morrerem trabalhando nas tuas roças como escravos, depois de terem vivido como guerreiros livres e leais às margens deste rio, saem a destruir aquilo que nos tomaram, extraindo suas areias, apodrecendo suas águas, derrubando sua mata!?

Quando tentei articular, de boca trêmula, alguma resposta, logo ouvi a estrondante voz que saia da boca de um guerreiro de peito negro:

- Jacaúna, valente morubixaba da nação Potiguar te recorda, Tapijara, que condenava o cauim que bebíamos, rebaixando o homem que se embriagava, e trouxeste de além-mar, outras bebidas que embriagavam e envenenavam os meus guerreiros! Tiraste aos meus descendentes os vícios que tornavam os fracos em heróis para lhes cultivar os teus que debilitam e acovardam, maldito sejas tu, civilizador!

Então, se dirigiu a mim um outro de braço levantado:

- Eu sou Jarapaíba, tenho o braço rijo como o pau-d’arco, chefe poderoso e invencível dos Caités, acuso os teus abunas (missionários), homem branco, de terem roubado ao meu povo o nosso Deus Tupã, afirmando dizer-lhes verdades. Mentiu entretanto, quando não colocou dentro do coração do meu povo um outro Deus. Hoje, vivem e morrem zombando das coisas sagradas. Maldito sejas tu destruidor!

No momento, se aproximou de mim um que trazia uma tangapema na mão, vi a morte nos seus olhos. Me afirmou:

Anhamum (Irmão do diabo) pai da valente nação Jucá (matar),lembra à tu, Tapijara, que nos acusava de sermos selvagens, porque lutávamos irmãos contra irmãos, Jucá contra Cariús, e nos prometeu adoçar-nos os instintos, tornando-nos amigos um do outro. E agora, o que são? Não tem mais irmãos, não tem mais amigos, e só amam e respeitam o dinheiro. Não pensem que nos mataram, homens brancos, pois estamos vivos, em espírito, já vós estão mortos numa vida Severina, numa subvida.

Neste momento, os galos já cantavam em todos os quintais, as silhuetas destes heróis foram se dissipando ao vento e ao sol do Jaguaribe.

Quando me apercebi, Tiago e eu estávamos os dois, de joelhos chorando!

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