Francisco Eduardo Correia

15 de fev. de 2014

                                                          Legítimo de Braga 

                                                FRANCISCO EDUARDO CORREIA.
“ Nós terráqueos, habitantes do planeta, somos uma grande família, embora ainda não nos tenhamos apercebidos. Por enquanto, não temos as condições requeridas para convivermos em paz, com fraternidade e amor no coração, mas esse momento será alcançado, pois a evolução vai ao infinito.”         ( Humberto de Campos.)
A  exatos quinze anos, no dia quinze de fevereiro de 1999, a ceifeira sinistra visitou minha casa, levando meu irmão caçula, Chico Braga. Nestes tempos tormentosos em que se pregam falsos valores e imperam os vícios, caiu vitima de um câncer na garganta em decorrência do muito álcool e do fumo. Em meio a tantos males, a vesga  parece ter enlouquecido, indo contra a própria natureza, buscando suas vitimas na juventude. Meu irmão ainda não havia completado os trinta anos.
Ao deitar a caneta sobre esta folha de papel, chove de mansinho em nossa Iguatu, sinto o cheiro da terra molhada, ouço o som das águas sobre o telhado, o cantar insistente do galo no quintal do meu avô Correinha, é madrugada, tudo tão calmo, tão seguro, tão prazeroso, como na nossa infância. Tenho algo a confessar, a agradecer, fui um companheiro e amigo do meu irmão, nos últimos meses de sua estada neste plano. O nosso ponto de apoio, era um quarto no lar de nossa tia Santana, o primo Dede Braga e sua esposa Socorro, nos cederam um vídeo cassete, onde assistíamos filmes, tentávamos preencher o tempo, diminuindo as dores. As visitas eram poucas. Um domingo a tarde, muita euforia, gargalhadas, musica nas proximidades, o Chico me pediu:
_ Vai lá fora, diz a eles que eu acertei na milhar.
_ Oh Chiquinho! Pra que?
_ Para eles me visitarem, se pensarem que eu tenho dinheiro, vem um atrás de R$ 30,00 emprestado, outro atrás de R$ 50,00, R$ 100,00.
Uma noite, ele pediu para ser levado para o hospital, estava com muita dificuldade de respirar. Ainda me lembro, quando passamos na ambulância na lateral da Igreja Matriz, os seus olhos arregalados, assustados, apelando a Deus numa prece, por sua vida.  Já estava por demais debilitado o meu irmão. Lembro que pedia-me para coçar sua cabeça. Eu tentando estimular-lo   dizia:
_ Reage Macho!Pra tu ficar bom disso, não pode perder a fé! Tem que ter força.
Ele tentando levantar o braço:
_ Eu não consigo.
As forças foram-lhe fugindo, no final, já não conseguia nem falar. Eu era quem lhe perguntava:
_ Chiquinho, se tu quiser que eu coce tua cabeça, bate com as pálpebras uma vez, se não, bate duas.
Ou:
_ Tu quer um pouquinho de água? Se for sim, pisque uma vez, se for não, duas.
Em caso afirmativo, eu molhava um pedacinho de algodão com água e passava nos seus lábios.
Neste cenário, buscava o médico de plantão. Pedia ajuda. A resposta era sempre a mesma:
_ Ele esta em estado terminal.
Morreu sem exalar sequer um suspiro. Só soube que estava morto, quando a enfermeira Suerda, filha do meu compadre Chico da Onça, tirou-lhe o balão de oxigênio:
_ Não !? Por favor não tire.
_ Ele não vai precisar mais Neto. Já partiu.
Foi então que senti a frieza de sua mão, vi uma lagrima que rolava do canto do seu olho direito.Enxuguei  a lagrima. E chorando, pedi-lhe:
_ Chiquinho, já que tu vai estar ai, do outro lado, mais próximo de Deus. Pede a ele para me livrar deste vicio da embriaguez. Ele sabe que eu não vivo nisto por querer. Sou como um cavalo atolado em uma barranca do rio, quanto mais me bato, mais me atolo. Não tenho forças para sair. Pede a Deus por mim, meu irmão.
Ao sairmos do cemitério após o enterro, íamos em três, eu, o Erivaldo da minha tia Zumira,e o Erivaldo do meu tio Edival. O único projeto era meter a cara na pinga, afogar as magoas, beber o morto. Passamos uns três dias de porre. Acordei alta noite, em meu quarto de solteiro, a luz havia acendido, olhei para os lados, não havia ninguém, mas senti uma sensação que não estava sozinho:
_ Chiquinho é tu que estar aqui? Se for, apague a luz, uma vez.
Click!  A luz se apagou.
_ Eu só posso estar é sonhando. Pois acenda.
Click! A luz se acendeu.
_ Eu não estou doido. Acenda e apague duas vezes.
Click! Click!
Continuei insistindo no pedido de acender e apagar a luz do meu quarto, uma, duas vezes. Como havia sido os nossos últimos colóquios, quando ele ainda estava naquela cama, na enfermaria do Hospital Regional. Então, adormeci. Quando levantei do porre, estava renascido curado, não sentia mas vontade de beber, de fumar, não mudei meus aptos, não troquei de amigos, continuei freqüentando os  mesmos ambientes que antes, mais algo dentro de mim havia mudado, não era mais um escravo dos vícios, agora sou um senhor.  
Nunca havia confessado isso em publico, agradeci ao espírito do meu irmão, a sua intercessão junto ao divino mestre, por este milagre em minha vida, mas na intimidade de minhas orações. Na missa dominical, com a família na catedral de São José, ouvi estas palavras: A vocação cristã é ser “Sal da Terra” e “Luz do Mundo”. Ser sal e luz, eis o desafio de todo discípulo de Jesus. No contexto das bem-aventuranças, o cristão e chamado a ser feliz não fechado em si mesmo, mas no meio da sociedade, sendo luz e sal: “Ninguém acende uma lâmpada e a coloca debaixo de uma vasilha, mas sim num candeeiro, onde brilha para todos que estão em casa.” 
Decidi então dar este testemunho do acontecido, escrevendo esta crônica, por ter sentido a necessidade de desenvolver minha espiritualidade,.São  flores da minha saudade,o senhor deu, o senhor levou. Bendito seja Deus.  
     Teu irmão.   

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