Caríssimo Neto Braga,
Nasci no meio da década de 60, quando se exacerbava a
importação de ídolos da música, da moda e até dos valores para
nossa gente. Era chic ter calça Lee, ouvir Beatles e Rolling Stones, criar
bandas com nome inglês. The Fevers, Blue Caps, marca USTOP. Sim!
Começávamos a largar muito da bossa verde e amarela, passando
a importar o que de fato devia nos importunar. Estávamos a permitir
americanismos que, subi iminarmente, manipulavam o sistema geral:
capitalista dominador cujo Tio morava nos States... Mas também era chic
Na roça, nossos heróis se mantinham igualmente, enfrentando
secas, fomes, misérias, embora a superintendência do Desvio de Verba
Pró-Nordeste, que por esse tempo, já mostrava suas barbichas, ou
melhor, seus amplos bigodes, maquiasse um pouco a realidade de nosso
povo, mas que no fundo não passava de mais um coronel institucional a
Tais heróis do campo, quando muito, ouviam o rádio de pilha e
eram fotografados em preto e branco tal e qual a vida que levavam: "o
preto no branco", tudo às claras, a dura realidade, acostumados com a
apregoação de um Deus que impunha estação severa de seca e flagelo
sem fim, predestinados ao sofrer, mas que nunca desmereceram o solo
que, com pés tão rachados quanto o local das pisaduras, numa cena
telúrica inconfundível, compuseram as canções de suas vidas com
chegar
aos
extremos
garranchos, sol ardil, comida singela, viola ponteada como pingos ralos
das chuvas miúdas do sertão, ajustadas ao piar dos pássaros.
Heróis sem o saber que continuavam a caminhada dos nossos
líderes implacáveis do quilate de Antonio Conselheiro, dos beatos
guerrilheiros, dos personagens asseverinados do engenheiro da poesia,
João Cabral de Melo Neto, ou por outra, os retirantes das obras de
Raquel de Queiroz, de Lins do Rego, outros seres ornados com as rimas
de Moacir Laurentino, Cego Aderaldo, da coragem inata de Bárbara de
Alencar, de Jovita Feitosa, não nos forçando à evocação de mitos
internacionais, embora ilustres como Luther King (americano), Mahatma
Gandhi (indiano) ou até um deus olímpico para dar robustez ao caráter e
nobreza dos nossos homens e mulheres, que, como já se pode ver,
ultrapatriota, "Major Quaresma", de Lima Barreto, ao exortar um colega
de trabalho que sonhava ir à Europa, dizendo-lhe: "Ingrato! Tens uma
terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros!"
Creio que meu posicionamento não leve a desmerecer a
valorização da cultura clássica, deixar de reconhecer o mérito de
quem sabe o verdadeiro valor de ser exímio leitor, de amar os livros, o
conhecimento, mas insisto, meu caro amigo Neto Braga, que se legitime
o cerne da alma de marfim que todo sertanejo possui.
Com chave de ouro, para bem fechar uma página, vou de Patativa,
renome internacional saído das brenhas do Assaré, que homenageia a
natureza sertaneja, partindo do seu eu coletivizado.
" Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu
nome Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."
Maria Lopes Araujo
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