Caríssimo Neto Braga,

8 de ago. de 2010

Caríssimo Neto Braga,

Nasci no meio da década de 60, quando se exacerbava a

importação de ídolos da música, da moda e até dos valores para

nossa gente. Era chic ter calça Lee, ouvir Beatles e Rolling Stones, criar

bandas com nome inglês. The Fevers, Blue Caps, marca USTOP. Sim!

Começávamos a largar muito da bossa verde e amarela, passando

a importar o que de fato devia nos importunar. Estávamos a permitir

americanismos que, subi iminarmente, manipulavam o sistema geral:

capitalista dominador cujo Tio morava nos States... Mas também era chic

Na roça, nossos heróis se mantinham igualmente, enfrentando

secas, fomes, misérias, embora a superintendência do Desvio de Verba

Pró-Nordeste, que por esse tempo, já mostrava suas barbichas, ou

melhor, seus amplos bigodes, maquiasse um pouco a realidade de nosso

povo, mas que no fundo não passava de mais um coronel institucional a

Tais heróis do campo, quando muito, ouviam o rádio de pilha e

eram fotografados em preto e branco tal e qual a vida que levavam: "o

preto no branco", tudo às claras, a dura realidade, acostumados com a

apregoação de um Deus que impunha estação severa de seca e flagelo

sem fim, predestinados ao sofrer, mas que nunca desmereceram o solo

que, com pés tão rachados quanto o local das pisaduras, numa cena

telúrica inconfundível, compuseram as canções de suas vidas com

chegar

aos

extremos

garranchos, sol ardil, comida singela, viola ponteada como pingos ralos

das chuvas miúdas do sertão, ajustadas ao piar dos pássaros.

Heróis sem o saber que continuavam a caminhada dos nossos

líderes implacáveis do quilate de Antonio Conselheiro, dos beatos

guerrilheiros, dos personagens asseverinados do engenheiro da poesia,

João Cabral de Melo Neto, ou por outra, os retirantes das obras de

Raquel de Queiroz, de Lins do Rego, outros seres ornados com as rimas

de Moacir Laurentino, Cego Aderaldo, da coragem inata de Bárbara de

Alencar, de Jovita Feitosa, não nos forçando à evocação de mitos

internacionais, embora ilustres como Luther King (americano), Mahatma

Gandhi (indiano) ou até um deus olímpico para dar robustez ao caráter e

nobreza dos nossos homens e mulheres, que, como já se pode ver,

ultrapatriota, "Major Quaresma", de Lima Barreto, ao exortar um colega

de trabalho que sonhava ir à Europa, dizendo-lhe: "Ingrato! Tens uma

terra tão bela, tão rica, e queres visitar a dos outros!"

Creio que meu posicionamento não leve a desmerecer a

valorização da cultura clássica, deixar de reconhecer o mérito de

quem sabe o verdadeiro valor de ser exímio leitor, de amar os livros, o

conhecimento, mas insisto, meu caro amigo Neto Braga, que se legitime

o cerne da alma de marfim que todo sertanejo possui.

Com chave de ouro, para bem fechar uma página, vou de Patativa,

renome internacional saído das brenhas do Assaré, que homenageia a

natureza sertaneja, partindo do seu eu coletivizado.

" Eu sou de uma terra que o povo padece

Mas não esmorece e procura vencer.

Da terra querida, que a linda cabocla

De riso na boca zomba no sofrer

Não nego meu sangue, não nego meu

nome Olho para a fome, pergunto o que há?

Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,

Sou cabra da Peste, sou do Ceará."




Maria Lopes Araujo

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