Ig Catu - Museu Vivo: Nos trilhos da cultura 2025 - Júlia Mourão da Silva

4 de fev. de 2025

 

Meu nome é Júlia Mourão da Silva, a minha história se eu soubesse ler eu ia escrever ela, seria um romance. Logo que chegamos aqui no Iguatu eu tinha uns 10 anos, viemos de São Paulo, meu pai havia juntamente com minha mãe ido morar naquelas terras no lugar por nome de Laranja Doce, na cidade de padre Feijó, ele, mamãe e mais quatro filhos, numa plantação de café, plantavam cuidavam e colhiam. Eu já nasci lá com mais dois irmãos meus, o resto da família que se compunha de 16 filhos já nasceram por aqui, morreram seis na infância, se criaram 10, meu pai chamava-se Pedro Mourão da Silva e minha mãe chamava-se Maria Francisca de Jesus. Eu nasci no dia 22 de agosto de 1951 viemos embora para o Ceará porque meu pai decidiu vir embora para perto dos seus pais que já estavam velhos e ele não queria que morressem longe dele, viemos para o sítio Caldeirão, depois do Quixelô, trabalhar na terra, plantar o milho, o feijão, o algodão, o arroz. Só viemos para o Iguatu quando meus avós morreram, viemos trabalhar nas terras do velho Valdir, irmão de Zé Nogueira e do Valci. Aqui começou o meu sofrimento, quando meu pai me jogou no meio da rua ao saber que eu estava em estado interessante, ele não aceitava esta condição, dizia que preferia sair morto do caixão de dentro de casa do que me ver com filho sem pai na casa dele. Meu pai foi muito carrasco comigo, minha barriga já estava crescida eu não tinha um vestido de bucho, mamãe pediu para ele comprar um tecido para fazer um vestido apropriado para minha gravidez e ele disse que comprava, mas eu teria que encoivarar quatro tarefas de terra para merecer, aí eu fui com a barriga pelas goelas, só eu e Deus.

Com tempo meu pai fez um casamento arranjado para mim, numa tentativa de me dar uma família, seu nome era Cícero Francisco da Silva, com ele tive seis filhos, Deus levou três e também a minha filha fora do casamento, meus outros três filhos, criei-os trabalhando dentro do Rio, lavando roupas das famílias do Iguatu, porque meu marido me trocou pela cachaça e nunca teve responsabilidade nenhuma com a família, eu batia o tijolo, encoivarava o tijolo, eu queimava as caieiras, tudo mais ele nos primeiros tempos do casamento, mas quando íamos receber o dinheiro ele recebia todo, por ser meu esposo, aí ia para o cabaré no sábado e só voltava na segunda-feira, sem deixar nunca nada em casa nem para mim nem para os meninos. O rio naquela época era um areal só até onde a vista alcançava, era só areia não tinha moita nem lixo. Levava meus filhos comigo, colocava os dois mais novos em uma banheira e os dois mais velhos sentados perto de mim, aí passava até as três, quatro horas da tarde. Nunca faltou uma trouxa de roupa para eu lavar, trazia tudo para dentro de casa e engomava no ferro a brasa, só então muitas vezes ia deixar em casas como a do senhor Toinho Alencar, a do Demar à noite. Quando a estiagem era grande e o rio secava, restavam alguns poços, como o mais próximo daqui, na passagem para a Beira Fresca, lá embaixo da ponte férrea, lá no poço comprido, no Bugi. Andávamos este mundão sempre buscando o sustento para dentro de casa, passei muitos momentos agonizantes aqui na vila Moura, estou aqui desde 1968, na grande cheia de 1974 fomos escapar todos lá dentro da CIDAO, o rio derrubou a grande maioria de nossas casas que eram todas de taipa. Só depois que conheci a  Associação dos Idosos  foi que comecei a ter uma vida social, onde nos reunimos com muitos outros idosos para dançar, viajar, palestrar e isso me tem dado momentos felizes na minha velhice. Tenho dos meus três filhos oito netos e um bisneto, transformei todo o sofrimento com muito trabalho com muita fé em uma família linda.

É esta a minha história.




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