Legítimo de Braga
A Indústria do Barro
“E ele me mostrou um rio de água viva,
límpido como cristal, correndo desde
O trono de Deus e do Cordeiro...”
(Revelações, cap. 22)
O mais desgraçado dos Homens é o escravo, o mais desgraçado dos escravos é aquele que é escravo em sua própria terra. Quando o senhor Deus prometeu liberdade ao seu povo que sucumbia ao cativeiro na Babilônia, afirmou: A tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito ate ao grande rio do Eufrates. Aqui fica bem visto que a liberdade só pode ser dada ao Homem se na terra tiver água com que possa produzir riqueza o seu trabalho. A própria palavra Homem, vem de húmus, que quer dizer terra fecunda, e o próprio nome de Adão, nosso pai ancestral, deriva de Adamá, que em hebraico significava terra fértil, portanto, filho da terra.
O padroeiro da Ecologia nosso São Francisco, se referia a natureza nos termos, irmão sol, irmã lua, assim, tenho afirmado que somos todos filhos da terra do Iguatu e que temos por pai o rio Jaguaribe, pois é ele que se deita sobre nossa terra, e a fecunda com suas barrentas águas, sendo o grande responsável por nossas riquezas, exemplos disto temos logo ao vê-lo entrar na nossa urbe, a ponte férrea, que chegou em 1916, fazendo com que os trilhos rumassem ao sul do Estado, a Serra do Araripe, trilhos que vieram em busca do nosso ouro branco, nosso algodão, nossa oiticica, da mamona, da carnaúba, do nosso gado. Outra ponte que corta o nosso rio da onça é a ponte rodoviária, ponte Demócrito Rocha, que nos liga as cidades de Icó, Várzea Alegre, Cedro, Orós e tantas outras, tendo sido inaugurada em 1952, fazendo descer sobre nossa primeira entrada na Beira Fresca, sobre o pontão de Chico de Judite o manto do esquecimento. Ainda estão ali esquecidos o cacimbão da CIDAO, no leito do grande rio seco, na extremidade da rua do motor; A CIDAO que beneficiava o algodão fazendo dele a pluma, do caroço fazia-se o resíduo para alimentar o gado, o óleo, o sabão. Da mamona, fazia-se o óleo, o bagaço ensacava e vendia-se para fazer adubo para plantar verduras, o japonês vinha do outro lado do mundo, para comprar o farelo. Da oiticica, fazia-se o óleo e o bagaço aproveitava-se de combustível nas caldeiras. Ao seu lado, como irmãos no infortúnio, o cacimbão da RVC ( Rede de Viação Cearense), que abastecia as maquinas há vapores da referida Ferrovia, responsável pelo escoamento desta produção até o litoral, de onde seguiam em navios para o exterior. Mas para baixo ainda impávido, resistindo ao tempo o cacimbão da Kleiton, outra beneficiadora de algodão do nosso áureo tempo, o Colégio das Freiras (São José), o cacimbão responsável pela água que abastecia a casa de saúde e maternidade Santa Terezinha, o curtume de Antônio Lucio, o matadouro Público, a ladeira do Bugi, na curva do rio, de onde se avistava os canais de irrigação do Ministério da Agricultura levantados durante as secas de 1932 e 1942, durante o governo de Getúlio Vargas, que irrigava as terras de Geraldo Amaro, Chico Adolfo, Sr. Franco, Alfredo Alves, João Nogueira , Clodomiro, era ali na curva do rio, na ladeira do Bugi, de onde saia á água para abastecer a indústria do barro do nosso tabuleiro, era ali naquelas paragens amáveis, margeadas por uma pequena mata ciliar, que pessoas e famílias volteavam na luta pelo pão de cada dia, famílias como a Carneiro da Silva, formada pelo meu tio avô, José Carneiro e Maria Alves da Silva, constituída pelo casal Natalia e Zé Carneiro, sendo seus filhos: Cleonice, Franquinha, Pedro, Juca, Ivaneide, Ilda, Irinete, Ivan, Ieda, Ivanilda e Marinete Carneiro da Silva, que me fez este belo depoimento: - Pra nós beber água, a gente botava o pote na cabeça, ia até o rio, descia aquela ladeira do Bugi, abanava a água num lugar mais profundo e enchia o pote. Papai trabalhava na roça, não tinha de onde tirar para manter nossas necessidades, eram muitos filhos. As noites sempre inventava uma caçada, uma pescaria. Mamãe ajudava fazendo louça. Se ajuntava aquele rebanho de mulher de madrugada, e íamos buscar o barro no terreno de Raimundo Palácio. Não havia perigo, não existia tanta gente drogada, tanta violência. Um jumento com um caixão cheio de barro em cada lado da cangalha, no meio, uma lata, também cheia, e as mulheres cada uma com um balde cheio de barro na cabeça. Pra traz, filho num tinha soltura de viver assim, em casa de amiguinho. Aprendi assim, vendo minha mãe fazer a louça. Se eu tivesse saúde, ainda hoje eu estava fazendo. Não é desonra a mulher trabalhar, vergonha é viver com o rabo cheio de cachaça. Tenho muito orgulho de ser louçeira.
Famílias como a Caetano de Souza, formada pelo Sr. Francisco das Chagas Caetano da Silva e Lídia Lourenço de Souza, que formaram o casal Sr. Chaga e Dona Lídia, de onde vieram os filhos, Francisco, já falecido, Raimundo Nonato, Geraldina, Galdecina e Genildo Caetano de Souza. Aqui palavras das irmãs Geraldina e Galdecina:
- Meu pai era uma pessoa muito trabalhadora, vivia na roça, na vazante. Ele trabalhava com uma tropa de jumento, colocava o barro, a lenha. A água, todo dia íamos buscar no bugi. Mamãe trabalhava de seis horas da manhã as nove da noite. Quando pegava empreita com prefeitura, de Iguatu, Orós, Jucás, ate filtro ela fazia. Tinha um trabalho muito bonito com o barro, uns trabalhos de artesanato delicado que era encomendado ate para fora, para a capital.
-Eu sempre digo que a minha mãe foi uma guerreira, porque ela trabalhou, criou e educou a gente do barro. Hoje todo mundo só quer demostrar que tem origem rica. Minha mãe, ela se orgulhava de ser louceira. Sempre afirmava, minha profissão é louceira, sempre teve muita fé em Deus, muito caridosa e uma das fundadoras desta capela de São Francisco.
Família Lopes da Conceição, formada do casal Francisco Lopes Santana e Maria Deolina da Conceição, Dona Maria Calixto e seu Chico Lopes, que geraram os filhos João, Francisco, Zilma, Valmir, Já falecidos, a Sra Franquinha, Ilma e Antônia Lopes da Conceição, a Toinha Calixto, de quem ouvi este depoimento:
- Nós não tínhamos animal, o jumento era nós mesmo, trazia a lata d’agua na cabeça, carregávamos os potes numa carroça fretada, as peças pequenas nas mãos e cabeça.
Família Carlos do Nascimento, formada do Sr. Pedro Caetano da Silva e da Sra. Josefa Maria da Conceição, Dona Tatá e seu Pedro Caetano, de onde foram gerados os filhos: Francisco Carlos do Nascimento(Chico),Fco Carlos do Nascimento (Titisco), Fco Carlos do Nascimento (Dô) e as mulheres Francisca Carlos do Nascimento, Francisca Carlos do Nascimento, (Teônila), Francisca Carlos do Nascimento, (Francina), Francisca Carlos do Nascimento (Chiquinha) e Francisca Carlos do Nascimento (Celeste), de quem ouvi este depoimento:
- Eu, Teônila, Francina e Chiquinha íamos de madrugada buscar areia no rio, os cachorros botando na gente, para ajudar mamãe, as coisas eram muito caras, até barro nós trazíamos da barranca do rio, para ficar mais barato pra mamãe, a água era uma luta diária. Ah meu Deus como era difícil, mas a gente vivia bem, porque era todo mundo junto com papai, mamãe, graças a Deus, era bom demais, esses nome de Francisco que todos nós carregamos, foi promessa de mamãe. Minha mãe era uma mulher muito boa, uma mãe maravilhosa, vivia só dentro de casa trabalhando, nem para vender as louças ela ia, isto era responsabilidade de Francina.
A família Ramalho Pereira, formada pelo casal José Ramalho da Silva e Laura Pereira,Dona Laura e Zé Touro, de onde foi gerado os filhos Francisco, Mauro, Leudo, Wilton e Raimundo Ramalho Pereira, o Raimundo Touro que assim recorda a sua infância:
- Descia na ladeira do Bugi entre as casas de Otavio e Zé Justino, sempre com um galão com duas latas sobre os ombros, era nosso divertimento quando rapazotes, encher os potes que tivéssemos em casa, depois aguar o barro que papai trazia lá d Sr. Agenor Carneiro, na lagoa da Bastiana, também lá dos Quitola no Prado, barro comprado. Amassávamos o barro até chegar no ponto, ai mamãe, o Chico Pelado, Dona Rosa Araçar, o Chico Nascimento, iam moldar as peças, pote, panela, quartinha, cofre, jarros, de tudo eles faziam. É neste instante que encontramos o jovem Francisco do Nascimento, depois Chico Enfermeiro, as margens do rio Jaguaribe, como conta o amigo de toda uma vida, Francisco José da Silva, o Chico Pelado:
-Carregando feixe de lenha sobre a cabeça, buscando o barro ainda pela madrugada, com muita formiga pinga fogo sobre os pés, moldando o barro, fazendo a louça até meia noite sobre a luz da lamparina, que ele, jovem ainda e arrimo de família, sustentou o pai, o Sr. Manuel Velho, prostrado pela doença e a sua mãe a Sra. Maria Romana de joelhos dobrado sobre o chão rezando. Sempre nos limites da humildade, da hospitalidade, da honestidade e da honra.
Vivas as famílias do Tabuleiro!!!
Vivas ao santo do Tabuleiro!!!
Vivas a Chico Enfermeiro!!!
E Vamos pro rio!!!
Cicero Correia Lima
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