Fabula

28 de ago. de 2009

Fabula

Um dia a verdade resolveu visitar o palácio de um rei e escolher o do sultão Harun-al-Haschid1. Envolta em véus diáfanos, as formas visíveis através do tecido imponderável, lá foi bater, para falar ao comendador dos crentes.
- Quem és?
- Sou a verdade! – Respondeu-lhes a visitante.
Informados de sua presença os auxiliares do soberano se alarmaram, e não a deixaram penetrar no palácio.
Dias depois torna. Vem grosseiramente vestida de peles, como pastores.
- Quem és?
- Sou a acusação!
Nova agitação no palácio. Se a acusação falar a Harum-Al-Raschid, estarão todos perdidos.
E a verdade, que tomara esse nome, retorna sem ter chegado à presença do califa.
Semanas mas tarde volta. A fisionomia é a mesma. É a mesma criatura das duas visitas anteriores. Trajava, porém, desta vez, vestidos riquíssimos e vinha coberta de jóias.
- Quem és?
- Sou a fábula
As portas abrem-se, e ela entra entre flores, perfumes e festas.
Porque é só transfigurada em fábula que a verdade e a acusação, podem chegar na presença do rei.
Utaugi2

Era costume de Harum-Al-Raschid, – e a misericórdia de Deus esteja sempre com ele, - visitar frequentemente, em pessoa, as províncias, mais distantes do seu reino. Ao contrário dos reis persas, que viajavam com grandes comitivas, em elefantes arreados de púrpura, e seguidos de soldados e nobres, o nosso califa preferia fazer essas excursões quase incognitamente, seguido apenas de Giafar, seu vizir e devoto servidor.

Galopando em dois belos cavalos árabes, partiam ambos de Bagdá alta noite, visitando aldeias, e cidades, examinando a fartura das colheitas, sindicando da felicidade das populações. E raras vezes voltou o Emir dos crentes ao seu palácio sem o sorriso nos lábios e a alegria no coração. Porque, na palma da sua mão, justa poderosa, o império e o povo trabalhava feliz.

Certa vez, porém, de regresso a Utaugi, onde haviam ido verificar a veracidade das queixas contra Mustaphá-bem-Mohammed3, encontrou-se com um beduíno que jogando a face no pó da terra, disse-lhe:
- Senhor, uma vez eu te entreguei um manuscrito, guardava os segredos da formação do homem, com H maiúsculo do Homem Honrado e Honesto, foi na oportunidade em que o senhor veio a Utaugi, trazendo a Universidade gratuita.
Noutra feita, quando o Senhor Harum-Al-Raschid, esteve aqui, trazendo a dignidade que faltava aos nossos mortos (IML) Eu o interroguei, se o senhor havia lido o manuscrito, o senhor foi verdadeiro:
- Para ser sincero Braga. Não li!
Agora pela terceira vez, te peço, escuta-me. Senhor, o teu povo geme e se extingue debaixo do mais infame dos cativeiros. Mustaphá-bem-Mahammed trata de tal maneira os teus servos, roubando-lhes a fortuna, a liberdade e a vida, que eles têm saudade do tempo em que eram escravizadas e mortos pelos... Cristãos
Aos mercadores são confiscadas as fazendas, às famílias as dignidades, aos ulemas a liberdade de anunciar a oração, aos ricos o seu dinheiro e aos pobres o direito de viver, Utaugi chora e sangra pelos olhos e pela garganta dos seus habitantes. Mal pode eu chegar até aqui, para pendurar nos teus ouvidos estas notícias de sofrimento, pois que o sangue e a lágrima são agora os únicos rubis e diamantes do teu povo. Pede a Deus que nos mande a chuva de gafanhotos ou piratas cristãos, ou outra calamidade maior; mas afasta da nossa terra Mustaphá-bem-Mohammed.








Tenho dito.


Cícero Correia Lima.

0 comentários:

Postar um comentário